Artigo
Mercado de trabalho: como o vemos, sentimos e entendemos.
08 de dezembro de 2014 16:23
Ao longo dos últimos seis anos, em meio a situações reais e imbricadas com temáticas relativas ao contexto do mercado de trabalho, por diversas vezes acabamos nos deparando com dilemas inerentes a esta relação que em muitos casos se apresentam de modo bastante divergente envolvendo o binômio: educação e trabalho e findamos em não refletir ou fazer as devidas ponderações naquilo que nos compete ou que se reporte a nossa realidade.
Por ser tema recorrente e muito comum entre as expertises da gestão de pessoas, temos assistido a um intenso bombardeio de conceitos e prognósticos sobre o futuro do trabalho e do trabalhador. Não raro também tem sido nosso olhar retalhado, fragmentado do assunto ou com pontos que envolvem esta questão (aqui referindo ao consumo de informações massificadas sem uma lente de criticidade). E por que não classificá-la de questão matemática, já que sempre há indicadores, percentuais e gaps numéricos? Via de regra há sempre algum especialista buscando explicar ou resolver a equação: candidato / vaga.
Tão assombroso quanto o acúmulo de informações sobre a questão ou tema de estudo são as concepções desconectadas do mesmo, pois, falar no Brasil, hoje, sobre mercado de trabalho é uma tarefa árdua que nos obriga minimamente a fazer uma análise e reflexão sobre: Escola / Governo / Sociedade.
Ao ler o livro de Bernard Charlot, intitulado Da Relação com o Saber às Práticas Educativas, causou espanto a simbiose que acomete os acontecimentos em torno da nossa vida e que nem sempre percebemos o fio imaginário que tece e liga os desdobramentos do mundo real. Em um dos pontos de reflexão o autor expõe a seguinte frase: “Fica aberto o debate sobre a função da escola, hoje em dia: Transmitir saberes, construir competências, fazer as duas coisas, mas com qual equilíbrio?” (CHARLOT, 2013, p. 88). Destarte, como num brainstorming, até poderia nos parecer ser fácil responder a esta questão, no entanto, ao refletir sobre a provocação, fica difícil chegar a bom termo.
Aqui, neste ponto, podemos ponderar o lugar histórico ao qual nos encontramos: século XXI. Período este da história em que tecnicamente as pessoas fariam parte da sociedade do conhecimento. Mas aí vem a pergunta: Será que realmente estamos nesta era: a do conhecimento? É neste ponto que se aproxima novamente ao pensamento de Charlot quando sem perguntar evidencia que:
“entra-se para a “sociedade do conhecimento” com mentes valorizando mais o diploma do que o próprio conhecimento – o que aumenta o risco de que seja uma sociedade da informação mais do que uma sociedade do saber” (2013, p. 83-84).
A verdade, ou a reflexão por trás dos fatos, aponta para uma fragilidade individual, social e de contexto onde pela falta, em muitos casos, de pensamento sistêmico acabamos por não fazer as devidas ligações ou conexões. Dar conta dos nós ou da eterna falta de mão de obra qualificada para o mercado de trabalho nos obriga a ver, sentir e entender o mundo ao qual pertencemos sob a lente da continuidade dos fatos, onde ecoa em nosso presente o passado que para cada um dos povos se deu sob uma forma particular de evolução, mas também de dominação, seja no nível cultural, econômico ou até mesmo ideológico. Portanto, nossa cabeça pensa induzida consciente ou inconsciente por histórias contadas ou por exemplos que aderimos ou não.
Um dos problemas dos brasileiros, atualmente, é que na história da evolução do mundo e das relações trabalhistas, no que se refere às vinculações do binômio: educação e trabalho, ainda somos jovens e não passamos pelo fogo do crescimento escalonado. Para termos uma ideia, segundo o livro mencionado anteriormente, os sistemas escolares das economias de Primeiro Mundo passaram por três etapas: a do Estado Educador, em que se objetivava levar a escola primária para todos; a do Estado Desenvolvimentista, que generalizou o ensino fundamental e a do Estado Regulador, objetivando universalizar o ensino médio.
Cabe frisar que estas etapas não ocorreram de modo aleatório, mas impulsionadas e articuladas com demandas de mercado e em sintonia com o sistema econômico vigente. Já no Brasil residiu e ainda reside o desafio de tentar contornar ao mesmo tempo os problemas das três etapas simultaneamente. Por outro lado, temos ao nosso favor os avanços tecnológicos conquistados pela humanidade ao longo dos anos para buscar a execução do fosso que nos separa das condições ideais de acesso ao ensino de boa qualidade e os pré-requisitos requeridos para o ingresso e permanência no mercado de trabalho.
Falando em pré-requisitos para o trabalho, constata-se cada vez mais de que a concepção de formação profissional requerida hoje seja aquela que agregue escolaridade com capacitação inicial atualizada constantemente aliada a competências intelectuais e sociais demandadas pelas situações de trabalho, independente da função ou profissão escolhida. E, no trato com as solicitações diretas para fins de contratação, observamos que são muitas as exigências do portfólio profissional pedidas pelas empresas do candidato a emprego: escolaridade, qualificação profissional, flexibilidade de horário, trabalho em equipe, bom relacionamento interpessoal, boa comunicação oral, facilidade para resolver conflitos dentre tantas outras, e que em algumas circunstâncias até parece que não há mais distinção entre o tempo de trabalho e o tempo privado tamanha são as averiguações de disponibilidade para o emprego.
Em muitos casos, funções diversas, que nem sempre fazem uso de computadores, são sondadas sobre o uso e o domínio de tecnologias como condição também para o acesso e permanência no trabalho, sendo fatores de reprovação na avaliação de currículo ou na própria entrevista de emprego. A exemplo os grupos de whatsApp, Facebook dentre tantos que tomam o formato corporativo acabam por levar o trabalho para a vida particular em tempo integral ou quase.
Com isto, transcende-se o modelo tradicional Taylorista Fordista esperando agora do trabalhador o trabalho valorizado, reflexivo, criativo, diferenciado, adepto às novas tecnologias, mas ainda não livre de práticas de alienação e de precariedade na oferta da contratação, o que se percebe em alguns casos via constatação na baixa remuneração ofertada para o desempenho funcional de tão alta complexidade exigida no ato da abertura da vaga de emprego.
Do exposto, resta-nos, então, o desafio de cultivar, e buscar promover uma mudança de cultura, envolvendo o social, de sermos sujeitos do nosso tempo, e como trabalhadores que somos nos apossarmos de nossa história enquanto cidadão e trabalhador como fonte de reproduzir um presente mais verdadeiro e cheio de significado em que na lógica de mercado tenhamos esta consciência de onde viemos, de onde estamos e a de que futuro queremos chegar.
Portanto, se cada um de nós der sua cota de participação consciente e cidadã, teremos condições objetivas de começar a mudar o nosso presente e construir relações profissionais de modo mais efetivo e permeado de significado, onde trabalhar deixe de ser sinônimo de sobrevivência e evire autorrealização.
REFERÊNCIAS
CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber às práticas educativas. São Paulo: Cortez, 2013.