Artigo

Formação humana: por que seguimos valores diferentes?

27 de julho de 2014 16:24

Formar um ser crítico, ético, criativo, flexível e ao mesmo tempo desenvolver conhecimentos, habilidades, atitudes e valores essenciais ao exercício da cidadania e às exigências do mercado de trabalho, trata-se da famosa “formação humana”, tão comentada e valorizada em todas as etapas e modalidades da educação. Sua importância já é conhecida há muito tempo. A questão é o quanto se discute sobre como os valores são construídos e que fatores interferem neste processo de formação. O que são valores humanos? Por que os valores são diferentes para as pessoas? Como esses valores são construídos a partir de um processo de formação?

Certa noite estava em casa quando ouvi um barulho forte de uma colisão no trânsito e fui olhar na janela do apartamento. De fato era uma batida entre dois carros. Quando o motorista de um dos carros desceu do seu veículo, o outro deu uma ré e saiu do local tranquilamente como se nada tivesse ocorrido. Achei aquela atitude um absurdo! Como alguém colide em outro carro e foge?! Certamente não queria assumir o erro e achou melhor fugir do local, pensei. Mas o que faz uma pessoa agir dessa forma, não assumir as consequências dos seus atos? Medo da reação do outro, pouco recurso financeiro para arcar com as despesas? Neste caso podemos deduzir que o motorista evadiu-se do local por vários motivos, desde um possível estado de embriaguez até a falta de honestidade e respeito para com o outro. Esse pequeno relato é para refletirmos sobre como algumas pessoas reagem em determinadas situações e como esses valores humanos se traduzem no cotidiano.

É comum ouvir os adultos falando que os jovens de hoje não têm valores, não respeitam os mais velhos, os valores estão invertidos, essa geração está perdida etc.
Veja algumas percepções e visões sobre a juventude:

Os jovens de hoje gostam do luxo. São mal comportados, desprezam a autoridade. Não têm respeito pelos mais velhos, passam o tempo a falar em vez de trabalhar. Não se levantam quando um adulto chega. Contradizem os pais, apresentam-se em sociedade com enfeitos estranhos. Apressam-se a ir para a mesa e comem os acepipes, cruzam as pernas e tiranizam os seus mestres. (Sócrates, 470-399 a. C. apud Anthony Leahy, 2014)

Não vejo esperança para o futuro do nosso povo se ele depender da frívola mocidade de hoje, pois todos os jovens são, por certo, indizivelmente frívolos… quando eu era menino, ensinavam-nos a ser discretos e a respeitar os mais velhos, mas moços de hoje são excessivamente sabidos e não toleram restrições. (Hesíodo, séc. VIII a.C. apud Edeli Arnaldi, 2014)

Isto lhe parece familiar? Percebe alguma semelhança com as percepções dos dias atuais? Os valores são parte de um contexto histórico-cultural-social e também estão relacionados aos sentimentos e emoções de cada indivíduo. Para Telma Vinha (2014), “valor é um princípio revestido de afetividade”. A autora reforça que se você considera “responsabilidade” como um valor irá investir nele. Mas cada pessoa desenvolve sua afetividade de maneira singular e aquilo que sensibiliza você pode não sensibilizar outra pessoa. Como a afetividade é desenvolvida de forma diferente em cada indivíduo, talvez isso justifique as diferenças de comportamentos, atitudes e valores atribuídos às diversas situações do dia a dia.

Retomando o exemplo da colisão entre os dois veículos citados no início deste artigo, para algumas pessoas, naquela situação, não assumir o erro e suas consequências, fugir do problema e fingir que nada aconteceu significa “se dar bem”. Ou seja, sente-se bem por achar que se livrou do problema, gerando um sentimento de bem-estar. Até porque a situação envolve perda financeira, pois quem provocou a colisão deverá arcar com os danos materiais. Então por que seguir valores como a ética, o respeito ao próximo, a honestidade quando se percebe que há prejuízos? Já para algumas pessoas, mesmo que haja uma perda financeira, elas assumem o erro por terem a compreensão de que fizeram a coisa certa, e a consciência limpa e tranquila provoca um bem-estar, o sentimento de justiça, por se colocar no lugar do outro e saber o quanto se sentiria grato se a pessoa tomasse a mesma atitude de assumir o erro e arcar com as consequências, se estivesse no lado oposto da situação.

Resumindo, se fosse possível colocar os envolvidos em uma balança para ver o que pesaria mais na resolução do problema e representar o que se descreveu anteriormente, certamente existiriam os seguintes cenários: a pessoa que foge do problema é porque provavelmente na “balança” dela o prejuízo financeiro para o “eu” pesou mais, por exemplo; e para àquela que assume seus atos e arca com as consequências, o “eu” e o “outro” foram equilibrados na balança, o que se pode sintetizar pela expressão “empatia”.

Percebe-se que de uma maneira ou de outra as atitudes apresentadas estão relacionadas ao sentimento de bem-estar da pessoa, da percepção de ganho que ela tem. Dessa forma, cada um investirá no valor que atribuir ser o mais gratificante, aquele que dará retornos positivos seja para si, seja para o próximo ou para ambos. A questão é que algumas pessoas pensam apenas no que é melhor para elas, esquecendo-se do próximo. E infelizmente isso também é aprendido em sociedade. Por este motivo que é abordada a relação entre a formação dos valores e o contexto histórico-cultural-social. E o papel da educação profissional nesse contexto?

Situação de conflito em sala de aula é o melhor cenário para se refletir sobre a construção dos valores e como é possível contribuir para a sua formação. Alguns estudantes que se matriculam nos cursos de formação profissional com interesse exclusivo nos benefícios, uns para receberem o auxílio estudantil, outros para não perderem o seguro-desemprego, são alguns dos exemplos conflitantes que existem atualmente entre professores e alunos. Os programas de formação, a exemplo do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), excelente iniciativa do governo federal, oferecem benefícios aos estudantes por meio de parcerias com instituições1. No entanto, o grande desafio ainda é equacionar demanda, oferta, formação e motivação/interesse do público-alvo.

Não adianta ter de um lado um professor se esforçando para que o aluno desenvolva as competências profissionais e do outro os alunos desestimulados por não estarem participando de um curso que desejam, sentindo-se motivados por outros interesses, benefícios, como o financeiro por exemplo. Neste caso os professores estão investindo em determinados valores e os alunos em outros, gerando conflitos. Claro que não se pode generalizar! E não há certo e errado, trata-se de visões, interesses e valores que estão sofrendo influências afetivas e de contextos diferentes.

O que você acha de um jovem sem perspectiva de conseguir um emprego, sem saber que profissão seguir, com necessidades financeiras emergentes, receber uma proposta para fazer um curso profissional gratuito, com materiais didáticos e ainda um valor financeiro como auxílio para o custeio do transporte, qual poderia ser a maior motivação desse jovem? E se ainda no meio do curso ele receber uma proposta de emprego, qual seria a motivação dele em continuar no curso? Sem dúvidas é um grande desafio para a instituição formadora.

E agora, o que fazer? Que valores querem ser construídos? Como trabalhar esses valores em sala de aula diante desses desafios? O Senac Ceará preocupado com estas questões investe na formação continuada dos seus instrutores por meio de Jornadas Pedagógicas, dentre outros cursos e ações, proporcionando momentos de troca de experiências e construção de estratégias metodológicas a serem aplicadas em sala de aula no contexto da educação profissional.

Para socializar estes conhecimentos e arquivar os materiais elaborados nessas formações, foi criado em 2013 um ambiente virtual na plataforma “moodle” denominada de “Comunidade dos Instrutores”. Neste ambiente, os instrutores do Senac de todo o Estado do Ceará têm acesso às produções elaboradas nas jornadas pedagógicas e em outras ações de formação, podendo fazer comentários, participar de fóruns de discussão e também disponibilizar outros materiais (textos, vídeos etc.) contribuindo para o aprendizado do grupo.

Para a temática em questão, existem jogos e dinâmicas que podem ser utilizados em sala de aula para que valores e atitudes sejam trabalhados. Um exemplo é a Jornada de Planejamento Pessoal e Profissional2, vivência desenvolvida em formato de oficina para auxiliar os jovens que buscam o primeiro emprego a refletirem sobre o caminho que desejam trilhar. Por meio do plano de vida e de trabalho elaborado individualmente, cada participante tem a oportunidade de repensar sua vida, seus valores e delinear o seu itinerário formativo, buscando realizar o plano traçado.

Atividades com trechos de filmes, músicas e projetos pedagógicos também são interessantes para trabalhar a diversidade de valores humanos. Para o professor diversificar sua prática e encontrar novas estratégias é necessário adotar a pesquisa como um princípio pedagógico e compartilhar os conhecimentos entre os colegas de profissão.

Não existem receitas prontas, essas são apenas algumas referências para ajudar na reflexão sobre o assunto. Como dito no início, o assunto não é recente, muito menos os relatos descritos de situações de conflitos em sala de aula. Porém, é necessário reconhecer que os espaços de formação para professores investem mais tempo no repasse de metodologias prontas do que em discussões efetivas sobre o contexto social dos estudantes e possíveis causas do fracasso escolar e dos conflitos gerados.

Talvez, neste ponto, ainda se está na “caverna de Platão”, vendo apenas as sombras da realidade. Portanto, é importante discutir mais sobre o contexto histórico-social dos estudantes com o grupo de professores, educadores e instrutores e ser autores de teorias-práticas em sala de aula.

1 – Existem as instituições que demandam os cursos e selecionam os estudantes e as que ofertam e executam os cursos de formação profissional.

2 – Oficina criada e desenvolvida pela equipe de Consultoria Pedagógica do Senac Ceará em 2012.

REFERÊNCIAS

SÓCRATES, 470-399 a.C. apudLEAHY, Anthony. Instituto Memória Editora & Projetos Culturais. <http://www.institutomemoria.com.br>. Disponível em: <http: //teiadehistorias.blogspot.com.br/2012/10/vejam-o-que-socrates-falava-dos-jovens.html>.  Acesso em: 25 jun. 2014.

HESÍODO, séc. VIII a.C. apud ARNALDI, Edeli. Disponível em: <http://metaforas.com.br/conflito-de-geracoes>. Acesso em: 21 jun. 2014.

VINHA, Telma. Formação de valores – vídeo da coleção conflitos na escola, ATTA – mídia e educação. Disponível em: <http: //www.attamidia.com.br/>. Acesso em: 30 jun. 2014.

PLATÃO. A República. Coleção a obra-prima de cada autor. São Paulo: Martin Claret, 2000.

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